Nelson Rodrigues
"Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico."
Nelson Rodrigues nasceu da
cidade do Recife - PE, em 23 de agosto de 1912, quinto filho dos catorze que o
casal Maria Esther Falcão e o jornalista Mário Rodrigues puseram no
mundo. Os nascidos no Recife, além do biografado, foram Milton, Roberto,
Mário Filho, Stella e Joffre. No Rio de Janeiro nasceram os outros oito:
Maria Clara, Augustinho, Irene, Paulo, Helena, Dorinha, Elsinha e Dulcinha.
Seu pai, deputado e jornalista do Jornal do
Recife, por problemas políticos resolve se mudar para o Rio de
Janeiro, onde vem trabalhar como redator parlamentar do jornal Correio da
Manhã. Em julho de 1916, d. Maria Esther e filhos chegam ao Rio de Janeiro
num vapor do Lloyd.
Haviam vendido tudo no Recife para cobrir as
despesas de viagem, e tiveram que ficar hospedados na casa de Olegário Mariano
por algum tempo. Em agosto de 1916 alugaram uma casa na Aldeia Campista, bairro
da Zona Norte da cidade, na rua Alegre, 135, onde a família Rodrigues teve seu
primeiro teto na cidade.
Nelson ia sendo
criado dentro do clima da época: as vizinhas gordas na janela, fiscalizando os
outros moradores, solteironas ressentidas, viúvas tristes, com as pernas
amarradas com gazes por causa das varizes. Naquela época os nascimentos
eram assistidos por parteiras de confiança e eram feitos em casa. Os
velórios também eram feitos em casa, usava-se escarradeira e o banho era de
bacia. Nelson registrava em sua memória esse cenário. Daí
sairiam os personagens de sua obra literária.
Com o autor vivendo seu quarto ano de vida, um fato
pitoresco: uma vizinha, d. Caridade, invade a sua casa e diz para sua mãe:
"Todos os seus filhos podem freqüentar a minha casa, dona
Esther. Menos o Nelson." Como ninguém entendesse a
razão de tal proibição, ela afirmou: vira Nelson aos beijos com sua
filha Odélia, de três anos, com ele sobre ela, numa atitude assim,
assim. Tarado!
Aos sete anos, em 1919, pediu a sua mãe para ir à
escola. Foi matriculado na escola pública Prudente de Morais, a dois
quarteirões de sua casa. Aprendeu a ler rapidamente e era por isso
elogiado por sua professora, d. Amália Cristófaro. Infelizmente não era
muito asseado e vivia sendo repreendido por ela. O que, no entanto,
causava espécie, era sua cabeça — desproporcional em relação ao tronco — e suas
pernas cabeludas.
Em 1920 ocorreu um fato que, depois, se transformou
num dos favoritos do escritor: o do concurso de redação na classe. D.
Amália passou a lição: cada aluno deveria escrever sobre um tema livre. A
melhor redação seria lida em voz alta na classe. Finda a aula, as composições
foram entregues. A professora quase foi ao chão com o trabalho de Nelson:
era uma história de adultério. O marido chega em casa, entra no quarto, vê
a mulher nua na cama e o vulto de um homem pulando pela janela e sumindo na
madrugada. O marido pega uma faca e liquida a mulher. Depois
ajoelha-se e pede perdão. A redação, apesar do espanto que causou em todo
o corpo docente, não tinha como não ser premiada, muito embora não pudesse ser
lida na classe. A professora inventou um empate e leu a outra composição.
Nesse período, Nelson presenciou grandes
discussões entre seus pais, causadas por ciúmes que seu genitor tinha de sua
mãe. Influenciado por seus irmão mais velhos, passou a ter a leitura como
passatempo, saindo rapidamente do Tico Tico para romances mais
"pesados" como Rocambole, de Ponson du Terrail, Epopéia do
Amor, Os Amantes de Veneza e Os Amores de Nanico, de Michel
Zevaco, O Conde de Monte Cristo e as Memórias de um Médico, de
Alexandre Dumas, os fascículos de Elzira, a Morta-Virgem, de Hugo de
América, e outros mais. Mudavam os autores, mas no fundo era uma coisa só: a
morte punindo o sexo ou o sexo punindo a morte.
Foi em 1919 que o autor descobriu o
Fluminense. Foi o primeiro ano do tricampeonato do tricolor, muito embora
nem ele nem seu irmão Mário Filho, posteriormente famoso como jornalista
esportivo e que teve seu nome escolhido para ser o nome oficial do estádio do
Maracanã, tivessem dinheiro para sair da rua Alegria e se deslocarem até
Laranjeiras para ver o seu time jogar.
Consolidado seu prestígio junto a Edmundo
Bittencourt, do Correio da Manhã, Mário Rodrigues junta sua família e
muda-se para a Tijuca, fato que, na época, era mostra de nítida melhora de
padrão de vida. Estávamos em 1922.
O autor seguia sua vida, sentindo a ausência do
pai, sempre envolvido com a política e o jornalismo. No ano de 1926 foi
expulso do Colégio Batista, na Tijuca, na segunda série do ginásio, por
rebeldia. Nelson vivia contestando seus professores, em especial
dos de Português e História. Foi, então, matriculado no Curso Normal de
Preparatórios, na rua do Ouvidor, pois seu pai esperava que ele futuramente
prestasse exames no famoso Colégio Pedro II.
Para compensar a falta de contato com os filhos,
Mário Rodrigues permitia sua ida ao Correio da Manhã para
visitá-lo. Dizem que jamais sonhou em ter seus filhos jornalistas: as
meninas seriam médicas, os meninos advogados. Afinal, a vida que levava não era
nada fácil: nomeado diretor do jornal, meteu-se numa batalha entre Epitácio
Pessoa e Artur Bernardes, o que lhe custou um ano de cadeia, em 1924. O
motivo: denunciou que usineiros pernambucanos (eles já existiam!) haviam dado
um colar no valor de 120 contos de réis à esposa do então presidente
Epitácio Pessoa, d. Mary. Negando-se a fugir do país, ficou preso no Quartel
dos Barbonos, na rua Evaristo da Veiga, no Rio de Janeiro. A partir da
data de sua prisão o jornal que dirigia — Correio da Manhã — foi
silenciado pelo governo por oito meses.
Antes de seu pai ser preso, Nelson e família
haviam mudado para uma casa na rua Inhangá e eram vizinhos do hotel
Copacabana Palace. Ali, aos doze anos, o autor aprendeu a nadar. Mas, aos
poucos, à medida em que entrava na adolescência, foi sendo possuído por uma
indolência melancólica, ficando depressivo, suspirando pelos cantos e dizendo:
"Eu sou um triste!".
Durante o tempo em que esteve preso, Edmundo
Bittencourt cortou o salário de Mário Rodrigues, dando à mãe de Nelson
apenas o suficiente para pagar o aluguel da casa. Mário foi ajudado
financeiramente, nessa época, por Geraldo Rocha (proprietário do jornal A
Noite, concorrente do Correio da Manhã), sem o que sua esposa e a
penca de filhos por certo teriam passado fome. Ao ser libertado, volta ao
jornal e é surpreendido com a notícia de que não haveria mais um diretor
permanente, cargo esse que detinha. Seria feito um rodízio de
diretores. Mas pior do que isso foi o fato de tomar conhecimento de que
Edmundo estava tentando se aproximar de seu desafeto Epitácio
Pessoa. Mário, em carta desaforada, pediu demissão a Edmundo, dizendo que
em breve voltaria para esmagá-lo. Daí surgiu seu próprio jornal, A
Manhã.
Nelson inicia sua carreira jornalística em 29 de dezembro
de 1925, como repórter de polícia, ganhando trinta mil réis por mês. Tinha
treze anos e meio, era alto, magro e seus cabelos eram indomáveis. Embora
fosse filho do patrão, teve que comprar calças compridas para impor respeito
aos colegas de redação.
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